Hélder Câmara, Profeta da Justiça

  • Por João Baptista Herkenhoff

Recebi em Brasília (há algum tempo) a Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, mas não é sobre o recebimento da homenagem que desejo falar.

Da mesma forma que fizeram os outros homenageados, usei da palavra para agradecer.

João Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito aposentado (ES) e escritor - Divulgação
João Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito aposentado (ES) e escritor – Divulgação

Na oportunidade do agradecimento, achei que seria apropriado narrar como foi meu ultimo encontro com Dom Hélder Câmara.

Aconteceu no Recife, em 1997, dois anos antes da partida do Profeta. O cenário desse encontro derradeiro foi a modesta casa onde Dom Hélder morava. Como se sabe, ele vendeu o suntuoso palácio, que era a residência dos bispos. Aplicou o dinheiro para construir casas para os pobres, e foi morar na periferia, a fim de viver na companhia dos humildes, do jeito que os humildes vivem.

A primeira coisa que observei, ao chegar, foi a completa desproteção da casa. Disse-lhe: Dom Hélder, as coisas que o senhor fala não agradam os poderosos. Fácil, fácil, o senhor pode ser assassinado aqui. Ele respondeu com um gesto e uma frase. Curvou a cabeça e disse: está vendo estes fios de cabelo que restam? Não cai um único sem que Deus permita.

Conto-lhe que durante o período em que seu nome não podia ser mencionado no rádio, na televisão, no jornal, eu havia “furado” o bloqueio, no jornal “A Ordem”, de São José do Calçado, interior do Espírito Santo. Eu era então Juiz da Comarca. Na edição de 4 de agosto de 1969, publiquei um artigo com um título bem cândido: “Reflexões após um período de férias”. No miolo do texto havia cinco parágrafos em sua defesa.

Quem conhece a sociologia das cidades do interior sabe que, na arquitetura do poder local, jamais o redator-chefe de um jornal censuraria um artigo do Juiz de Direito da Comarca, ainda que tendo na mesa do jornal, como era o caso, ordens expressas de escalões federais proibindo referências a Dom Hélder.

Ele achou muito engraçado o episódio e finalizou: você deu uma rasteira na censura.

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