Desvinculação na Saúde e crime de lesa-pátria

  • Por Eduardo Marcondes

O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem defendendo a desvinculação total do orçamento público (100%), afirmando, em dado momento, que os parlamentares ficam escondidos atrás de um documento escrito há 30 anos. Preliminarmente, cabe dizer que  Guedes ainda não apresentou a proposta alternativa ao texto constitucional. Nossos comentários são, portanto, no campo das hipóteses. Defensor convicto do SUS e da vinculação, me causou estranheza o fato de despesas de caráter obrigatório e continuado, como saúde e educação, por serem cláusulas pétreas em decorrência do disposto no artigo 60, parágrafo 4º, IV, da Constituição, estarem no bojo da aventada flexibilização. Aliás, para desvincular 100% do orçamento para disponibilizá-lo ao Legislativo, muito haveria que ser alterado, pois são obrigatórios o pagamento dos salários dos servidores, as despesas com previdência e os encargos da dívida, dentre outros, além da necessidade de uma ampla reforma tributária.

Eduardo Marcondes é médico pediatra, ex-secretário municipal de saúde, com MBA em Saúde Pública – Divulgação

A referência também à Constituição como um simples “documento”, feita pelo ministro, causa perplexidade por se tratar do pacto político-social regente da nação, resultado de uma Assembleia Nacional Constituinte, que se impõe aos parlamentares, presidente da República e demais autoridades que não podem “se esconder atrás” da carta política do país, mas, sim, tê-la como guia, devendo observá-la, cumpri-la e respeitá-la, como juraram ao ser empossados.

Em 32 anos de Constituição, comprova-se a necessidade dessas medidas de segurança (as vinculações obrigatórias) contra o desrespeito à garantia de financiamento adequado e esses dois setores fundamentais a uma nação, que são a Saúde e a Educação. Não é o engessamento do Orçamento que se pretende ao se fazer vinculações, mas, sim, a certeza da garantia de recursos para as áreas sociais, sempre preteridas, na mesma medida em que são essenciais para uma nação se desenvolver, como é o caso da educação, ciência e tecnologia, saúde; uma população saudável, digna, com força de trabalho físico, intelectual, afetivo, mental é indispensável à nação.

Até as figueiras da Avenida Presidente Vargas sabem que a saúde sempre foi subfinanciada e a vinculação em 2000, pela Emenda Constitucional 29, decorreu da mais absoluta necessidade de se assegurar um valor mínimo, sob pena de seus recursos serem suprimidos ano a ano; infelizmente, esse processo está ocorrendo com as desvinculações decorrentes da revogação da regra da EC 29/2000 e da vigência do congelamento do piso aos níveis de 2017, implementado pela regra da EC 95/2016, bem como da inclusão (pela EC 86/2015) dos recursos do pré-sal (sub judice) no conjunto das receitas destinadas para o financiamento do piso (dar com uma mão e retirar com a outra).

Para se alcançar maior qualidade e quantidade de serviços compatíveis com as necessidades de saúde da população, os seus recursos teriam que ser no mínimo o dobro do gasto nos últimos anos, considerando os parâmetros internacionais e a situação atual de insuficiência de serviços públicos de saúde. A saúde deve ser praticada de modo racional e com muita sobriedade para não cair no canto da sereia das inovações tecnológicas e farmacêuticas que visam primeiramente engordar desmedidamente os lucros das empresas.

Há, de modo comprovado, defasagem quanto à quantidade e qualidade dos serviços, sendo imperioso planejamento de longo prazo que considere: a demografia crescente e o envelhecimento populacional, sendo que, por volta de 11% da população tem mais de 60 anos, com previsão de ser o dobro em dez anos; as novas tecnologias essenciais; as políticas de prevenção das mortes violentas e as dos acidentes de trânsito, em especial de moto, dentre outros aspectos. Outro dado relevante é de se instituir, de modo sistemático, em especial no âmbito do Ministério da Saúde, avaliação de desempenho dos serviços para informar o planejamento da saúde permanentemente.

Mas, no lugar do planejamento e da alocação adicional de recursos para saúde de forma compatível com as necessidades da população e de forma escalonada segundo o crescimento da receita, as autoridades econômicas estão anunciando pela imprensa não um plano para a melhoria da saúde, mas o envio de uma proposta de emenda constitucional (PEC) ao Congresso Nacional para desvincular 100% do orçamento. O que temos visto é que a Economia, que já subordinou a Previdência Social ao seu ministério, poderá também subordinar as demais áreas que compõem o sistema de seguridade social (artigo 194 da Constituição) ao seu controle, com perda de suas autonomias. Se concretizado, isso será um crime de lesa-pátria e lesa-Constituição, a merecer um não veemente por parte dos nossos representantes (do povo brasileiro) na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

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