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Sentença da juíza do Paraná

  • Por João Baptista Herkenhoff

A juíza Gabriela Hardt, do Paraná, deu uma sentença de trezentas e cincoenta páginas para condenar Lula a doze anos e onze meses de prisão porque recebeu 170 mil reais da OAS para compra de equipamentos destinados à cozinha do sítio de Atibaia.

Isto mesmo, 350 páginas.

Isto mesmo, compra de equipamentos para a cozinha do sítio.

Viva a Sabedoria que deve ser medida pelo número de páginas de uma sentença e pela relevância de equipamentos destinados à cozinha de um sítio.

Sou um humilde Juiz de Direito aposentado.

Nunca dei uma sentença tão grande e com tão relevantes fundamentos doutrinários.

Minhas decisões sempre foram pequenas, modestas.

Posto-me reverente à face da juíza do Paraná.

A sentença do Paraná traz a minha memória uma decisão que proferi quando exercia a função judicante.

Foi o caso de uma grávida, que se chamava Edna. Estava presa, prestes a dar à luz. Ela foi aprisionada com gramas de maconha.

Senti que era preciso penetrar fundo na sua sensibilidade, na sua condição de pessoa humana.

Foi o que tentei fazer ao libertá-la. Dei um despacho fulminante, carregado de emoção e da ira santa que a injustiça provoca. Eis a decisão:

“A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si, mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia. 

É uma dupla liberdade a que concedo nesta decisão: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver. 

Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.

Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.       

Expeça-se incontinenti o alvará de soltura”.

Edna encontrou um companheiro e com ele constituiu família.  Mudou inteiramente o rumo de sua vida.  A criança, se fosse homem, teria o nome do juiz, conforme declarou na audiência. Mas nasceu-lhe uma menina que se chamou Elke, em homenagem a Elke Maravilha.

  • João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado (ES) e escritor.

E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com

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