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Pesquisa estabelece protocolo de segurança para a fabricação de tucupi

Chamado de “shoyo do novo século”, o tucupi é um líquido de cor amarela, coproduto da mandioca, típico da rica e exótica gastronomia amazônica. É feito de maneira artesanal, tendo como matéria-prima a mandioca ou mandioca-brava, tubérculo que ganhou essa definição de “brava” por apresentar altos índices de ácido cianídrico (HCN) em sua composição, ou seja, um veneno conhecido como cianeto.

Para garantir a segurança microbiológica e toxicológica do produto, pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental (PA) estabeleceram um protocolo com as diretrizes básicas à padronização da produção do tucupi, definindo critérios no processo de fabricação do líquido.

De acordo com a pesquisadora Ana Vânia Carvalho, uma das autoras do trabalho, o resultado da pesquisa indica que, para ser segura ao consumo humano, a iguaria amazônica precisa passar por 24 horas de fermentação e 40 minutos de cocção. “Se não for processado de maneira adequada, o tucupi pode apresentar níveis elevados de HCN e, consequentemente, riscos ao consumo humano”, alerta.

A cientista esclarece, no entanto, que não é preciso deixar de consumir o produto, que faz parte da cultura alimentar do amazônida, porém frisa que alguns cuidados no preparo devem ser tomados e dá uma dica importante: “ao levar o produto para casa, o consumidor deve ferver o líquido por 40 minutos e, depois, acrescentar água, para completar o que foi reduzido com o cozimento, caso necessário”, recomenda.

A pesquisa apresenta ainda mais importância, pois o produto começa a conquistar paladares fora da região Norte e já é conhecido como um dos carros-chefes da culinária amazônica, que está sob constante holofote da mídia e no radar de chefs nacionais e internacionais. A iguaria é indispensável, por exemplo, aos tradicionais pato no tucupi e tacacá.

O produto final, elaborado a partir do chamado “parâmetro ótimo” de processamento, se apresentou condizente ao padrão de identidade e qualidade do tucupi estipulado pela Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepara), órgão estadual que regulamenta a fabricação e comercialização dos produtos de origem animal e vegetal no estado, além de níveis microbiológicos e de toxidade seguros. A legislação, no entanto, não determina os índices de ácido cianídrico para a comercialização do produto.

De acordo com Ana Vânia, o trabalho de pesquisa teve diversas etapas, que envolveram desde a análise de amostras de tucupi comercializado nas feiras e supermercados da capital paraense e entrevistas com produtores artesanais, até o planejamento experimental, no qual o processo de fabricação foi reproduzido em laboratório para se chegar aos parâmetros estabelecidos como seguros. “Testes sensoriais para garantir o sabor característico do tucupi e o tempo de prateleira também foram observados”, explica.

Riscos

Para entender os riscos e o que isso representa, é necessário conhecer o processo de fabricação e o tubérculo que dá origem ao tucupi. A mandioca (Manihot esculenta Crantz) é uma raiz que apresenta glicosídeos cianogênicos em sua composição, pertencendo, dessa forma, ao grupo de plantas classificadas como cianogênicas. Os compostos cianogênicos (linamarina e lotaustralina) por si só não são tóxicos, mas liberam o ácido cianídrico (HCN), responsável pela toxidez, após a ação de enzimas (linamarase).

O tucupi é um coproduto da mandioca, obtido durante a fabricação da farinha. O tubérculo é descascado, higienizado e depois triturado, resultando em uma massa úmida que então é levada a uma prensa, que no processo de fabricação artesanal é um utensilio de palha chamado de tipiti.

Com a prensagem, obtém-se a massa mais seca que será torrada e transformada em farinha e um líquido residual conhecido como manipueira. É da manipueira que se faz a goma (fécula) e tucupi. Para se chegar ao produto final, o tucupi, o líquido passa por um processo de fermentação e cozimento (cocção).

Identidade do produto é mantida após padronização

De sabor e cheiro marcantes, caracteristicamente ácido, o tucupi recebe temperos como alho e ervas aromatizantes regionais, tais como o coentro, chicória e alfavaca, antes de ser comercializado ou utilizado na culinária.

Ao propor uma padronização, enfatiza Ana Vânia, a Embrapa não quer tirar a identidade do produto, mas sim trazer segurança a quem consome e, com isso, agregar valor e abrir a possibilidade de novos mercados.

A especialista defende que o charme do produto é ser artesanal e ter um toque especial, o gosto particular associado a cada fabricante, com os temperos de preferência. “Quando se fala em padronizar, na área de alimentos, é manter um nível mínimo de segurança. O tucupi começa a rodar o mundo e queremos um produto seguro em termos microbiológicos no que se refere a níveis de cianeto”, defende.

No caso do tucupi, destaca Ana Vânia, a pesquisa revelou que os produtos existentes no mercado não têm padrão de fabricação e não há tempo mínimo de fermentação e de cocção. Assim, cada fabricante prepara do seu jeito. Além da análise laboratorial, entrevistas com fabricantes  revelaram que a variação de tempo de fermentação e cozimento era desproporcional, de dez minutos de fervura até o cozimento de duas horas. “Um produto seguro, somado às características marcantes presentes no tucupi, possui potencial para ganhar o mundo”, afirma.

Fabricação em pequena escala ainda é barreira para expansão

Um dos mais conhecidos chefs brasileiros, Alex Atala, se confessa apaixonado pela gastronomia amazônica e tem um interesse especial pelo tucupi, ingrediente que usa em seus pratos e divulga aos colegas de ofício por onde anda.  “O tucupi é bom com tudo, de qualquer jeito, quente, frio, na pimenta. Eu sei que no Pará se usa muito, mas o Brasil ainda desconhece e ainda existe um certo preconceito pelo desconhecimento, mas o tucupi está ganhando cada vez mais espaço no Brasil”, declara o chef.

Para ele, o tucupi pode ganhar o status de “shoyo do novo século”, frase repetida por ele em diversas ocasiões, e várias são as razões para essa afirmação. Ele conta que a comparação do tucupi com o molho de soja tem relação com o potencial de ganhar mercado e ao sabor, pois o produto paraense tem uma nota de sabor ácido muito presente e bastante apreciada principalmente na culinária asiática. “O molho de soja tem uma alta concentração de glutamato monossódico também presente no tucupi naturalmente. É fascinante”, relata.

Uma das barreiras para o produto alcançar seu potencial, analisa o chef, é a escala de fabricação e exportação para outros estados, mas ele lembra que a empresária Joanna Martins, filha do chef paraense Paulo Martins, que abriu a cozinha da Amazônia para o Brasil e o mundo, já consegue fazer com que o tucupi chegue aos chefs de São Paulo e do resto do País.

O sobrenome Martins é conhecido no mercado gastronômico associado ao chef Paulo Martins, idealizador do festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, que potencializou a difusão da culinária regional durante cerca de 15 anos trazendo para Belém renomados chefs nacionais e internacionais. Após a morte do pai, a empresária Joanna Martins continuou, com a irmã Tânia, no mercado da comida regional.

A empresa de Joanna é uma das únicas no Pará que possui autorização para comercializar para fora do estado produtos alimentícios regionais amazônicos, como o tucupi. Para Joanna, a ausência de uma padronização dificulta a expansão. Ela conta que, como não existe na legislação normatização da composição química, a escolha dos fornecedores é muito cuidadosa e laboratórios particulares são contratados para testar também o teor de cianeto e garantir a segurança do produto comercializado.

“A cadeia da mandioca ainda carece de organização e pesquisa para que os coprodutos possam ganhar mercado. O trabalho da Embrapa é um alento, pois a regularização vai trazer desenvolvimento, emprego e renda ao setor”, enfatiza.

Em busca da qualidade e da rastreabilidade

Na Embrapa Amazônia Oriental, o trabalho foi desenvolvido pelas pesquisadoras Ana Vânia Carvallho e Rafaella de Andrade Mattietto, juntamente com a bolsista Ana Paula Rocha Campos, resultando em diversas publicações técnicas e uma tese de mestrado.

A Embrapa espera que o resultado da pesquisa possa servir de embasamento para que os órgãos reguladores estabeleçam um padrão mínimo de comercialização, facilitando a inserção no mercado nacional de produtos artesanais.

E exatamente por ser eminentemente artesanal, não há dados de quanto tucupi se produz ou se comercializa no estado, mas o produto é facilmente encontrado nas feiras e mercados ou, ainda, como ingrediente em pratos típicos em restaurantes e nas tradicionais barraquinhas de comida de rua, comuns nas esquinas e praças da capital e das principais cidades do Pará.

Para garantir a qualidade e rastreabilidade dos ingredientes das comidas típicas que comercializa, o microempresário Daniel Mendonça de Souza passou a fabricar seu próprio tucupi e até a plantar as hortaliças utilizadas. Há mais de 30 anos no ramo como “tacacazeiro”, como são chamados no Pará, Daniel chega a produzir mil litros de tucupi por semana.

Ele explicou que o produto feito por ele fermenta por 12 horas e em seguida é levado aos caldeirões para cozinhar por até quatro horas seguidas. “Sei dos riscos, por isso cozinho muito bem para fornecer um produto saudável e com a cara do Pará”, garante.

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