A corrupção entre policiais militares que se associaram para facilitar a vida de contrabandistas de cigarro em troca de propina surpreendeu até o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), que na semana passada deflagrou a operação Oiketicus, que prendeu 21 policiais. Durante a investigação, os promotores descobriram até militar que vivia no luxo com patrimônio que chegava a R$ 7 milhões, mesmo com salário de pouco mais de R$ 4 mil. Para esconder tanto dinheiro, o policial usava negócios de fachada em garagem de veículos usados.
A informações são do Jornal Midiamax, que teve acesso à denúncia apresentada pelo Gaeco à Justiça quando solicitou autorização para prender preventivamente 20 policiais e realizar busca e apreensão em 40 endereços. O documento detalha como agiam os policiais corruptos que integravam a “máfia dos cigarreiros”. O processo corre em segredo de Justiça.
A investigação teve início em abril do ano passado, quando a corregedoria da Polícia Militar repassou aos promotores denúncias sobre “rede de policiais militares, maioria da fronteira, envolvidos em crime de corrupção e organização criminosa”. Os promotores reforçam que militares de diferentes patentes e regiões do Estado se associaram para facilitar o contrabando.
Em troca, os militares recebiam altas quantias em dinheiro para fazer “vista grossa” e até repassar informações sigilosas aos contrabandistas. Em alguns casos, os PMs sequer iam para a rodovia fazer a fiscalização, evitando, assim, contato com as cargas de cigarro.
Entre os mais de 20 policiais citados pelo Gaeco, um deles chama atenção e é considerado pelos próprios promotores como “exemplo mais gritante”. O cabo da PM que não terá o nome divulgado estava, até a semana passada antes de ser preso, lotado no 12º Batalhão da PM de Naviraí.
Ele era responsável desde 2015, conforme a investigação, por coordenar a atuação de policiais corruptos no chamado Núcleo 2, região que compreende as cidades de Maracaju, Dourados, Naviraí, Mundo Novo, Iguatemi, Japorã e Eldorado. Entre as responsabilidades do policial estava repassar para contrabandistas a escala com nomes dos militares integrantes do esquema, isso fazia com que as carretas carregadas com cigarro tivessem dia certo para circular sem qualquer fiscalização para atrapalhar o “negócio”.
Patrimônio milionário
Pelo serviço criminoso, o cabo era bem remunerado. O Gaeco não identificou quanto especificamente o policial recebia, mas traçou como média um rendimento de R$ 3 mil por semana para militares que integravam o esquema.
O patrimônio do cabo da PM era muito superior ao que o salário dele poderia pagar. De acordo com o Portal da Transparência do Governo do Estado, o salário líquido do cabo no mês de abril deste ano foi de R$ 4,4 mil, mas o patrimônio foi estimado em R$ 7 milhões.
Durante a investigação, os promotores conseguiram autorização da Justiça para quebra do sigilo do email do policial. Lá havia planilhas que detalhavam todo o patrimônio milionário do cabo. Até o ano passado, segundo dados do próprio policial, ele tinha 9 terrenos e chácaras, 11 casas e mais de R$ 704 mil em veículos.
Na tentativa de justificar tanto dinheiro, o policial utilizava uma concessionária de carros usados, conhecida como garagem, localizada na cidade de Naviraí. Segundo o Gaeco, o policial “lavava dinheiro” na concessionária na qual era sócio. Os promotores conseguiram provar que o negócio era de fachada quando interceptaram ligações entre o policial e um funcionário. Em uma conversa, o funcionário falava em movimento fraco na venda de veículos usados, cerca de 4 a 5 carros por mês.
O baixo movimento não se refletia nas contas da garagem, em um ano, o ganho de capital com o suposto negócio chegou a R$ 765 mil. Valor que para o Gaeco não vinha da venda dos carros, e sim da propina recebida pelos contrabandistas.
Ainda conforme a investigação dos promotores, vida de luxo não era exclusividade do cabo. Outros policiais com diferentes patentes também tinham vários bens. Entre eles um tenente-coronel que atuava no chamado Núcleo 1, que compreende as cidades de Bela Vista, Jardim, Guia Lopes e Bonito. De acordo com o Gaeco, o policial tinha motos de luxo, carros importados, roupas de grife e fazia várias viagens internacionais.
“Os requeridos [policiais], no exercício da atividade policial, agiram não para proteger a sociedade, como juraram em suas respectivas posses, mas sim para garantir o interesse escuso de terceiros, razão pela qual devem ser colhidos em presídio militar, até mesmo para garantirem o encerramento das investigações, sem qualquer espécie de intercorrência”.
Policiais afastados
Todos os 21 policiais foram afastados e substituídos. De acordo com Comando Geral da Polícia Militar, as denúncias já eram investigadas pelas corregedorias da Polícia Militar, Civil e Federal. Concluídas, as investigações serão enviadas para o Ministério Público Estadual, Auditoria Militar Estadual ou Ministério Público Federal.