Sistemas de alerta de cheia e incêndio para o Pantanal são debatidos em evento

Carlos Padovani (em pé, de óculos), acompanha discussões no World Café – Foto: Ana Maio
Carlos Padovani (em pé, de óculos), acompanha discussões no World Café – Foto: Ana Maio

Três temas de interesse dos pecuaristas pantaneiros foram debatidos durante uma reunião de stakeholders do projeto Pecuária do Futuro, realizada em São Carlos (SP), na quarta-feira (4/10): sistema de alerta para enchentes no Pantanal, sistema de alerta para incêndios no Pantanal e sistema para orientar a substituição de pastagem nativa por pastagem cultivada. Esses temas foram incluídos na discussão porque uma equipe de pesquisadores e analistas da Embrapa Pantanal faz parte do projeto e está empenhada em participar do processo que vai entregar ao setor produtivo sistemas de tomada de decisão que auxiliem o produtor rural.

A reunião utilizou a metodologia do World Café, uma forma de criar, intencionalmente, uma rede viva de conversas em torno de questões relevantes. O objetivo é que o ambiente – que simula uma cafeteria – estimule conversas de alta qualidade e profundamente participativas. Três mesas em sistema de rodízio debateram duas perguntas sobre a pecuária do futuro. 1) A agricultura 4.0 afetará o mercado como um todo e trará novos modelos de negócios. Como a Pecuária do Futuro deve se preparar para lidar com essas mudanças e o que ela poderá oferecer para a sociedade? 2) A partir de um primeiro levantamento com stakeholders, o projeto Pecuária do Futuro entregará para o setor produtivo sistemas de tomada de decisão para o produtor rural. Em sua opinião, de que forma essas ferramentas poderão contribuir e quais impactos terão na pecuária?

Foi nesta segunda pergunta que os três temas envolvendo a pecuária do Pantanal foram incluídos como subtópicos. Os grupos, que iam se revezando e anotando ideias na própria mesa, levantaram três considerações importantes a partir de todo o debate.

A primeira moderadora, Mônika Bergamaschi, da Abag/Ribeirão Preto (Associação Brasileira do Agronegócio), apresentou os resultados da discussão, que constatou a existência de muitas tecnologias disponíveis, mas a falta de extensão rural para entregá-las ao produtor, fazendo com que muitos ainda pratiquem a agricultura 1.0. Essa mesa levantou que mesmo tecnologias simples, como a escolha de uma forrageira, pode significar um salto para a agricultura 4.0 no caso de um pequeno produtor.

O segundo moderador, Paulo Cesar Sentelhas, professor da Esalq-USP, colocou que para se chegar à pecuária 4.0 é preciso partir de um diagnóstico que gere demandas mais específicas (até regionais) para a pesquisa. “As ferramentas devem atender a problemas reais”, disse. O grupo também considerou as políticas públicas para o setor extremamente importantes e alertou para a falta de infraestrutura no campo. Paulo acrescentou que a ferramenta para auxiliar na tomada de decisões que o projeto Pecuária do Futuro pretende criar poderá melhorar a gestão e, consequentemente, a produtividade da pecuária. O grupo apontou ainda que conhecer a variabilidade climática é fundamental.

O terceiro moderador, o consultor Jalme de Souza Fernandes Júnior, mostrou que para o grupo a pecuária 4.0 depende de tecnologias que causem impacto e de ferramentas realmente efetivas. Os participantes dessa discussão apontaram que as ferramentas de alerta aos produtores são muito importantes. A noção é de que os pecuaristas utilizam pouca tecnologia – a internet nem está acessível em regiões mais remotas.

O pesquisador Carlos Padovani, que trabalha com sistema de alerta de enchentes no Pantanal, teve a oportunidade de acompanhar as discussões nas mesas. O sistema de alerta foi demandado por um produtor pantaneiro em uma etapa que antecedeu a elaboração do projeto e representa uma ferramenta muito relevante para os pecuaristas da região. No período de cheia do Pantanal, muitos precisam transportar o gado para áreas mais altas e um sistema de alerta incorporado às demais ferramentas de suporte à tomada de decisão pode facilitar muito a logística. “A metodologia foi bem produtiva e fez com que pessoas de diferentes setores e de diferentes níveis interagissem. Como o tempo era controlado, todos se expressaram de forma bem sucinta e objetiva. Foi bem dinâmica”, afirmou.

Padovani lembrou que, embora pecuaristas pantaneiros não tenham comparecido nessa oportunidade, o projeto abriu espaço para que eles estivessem presentes. Vários produtores do Pantanal foram convidados e o evento foi divulgado durante a Feapan (Feira Agropecuária do Pantanal), em Corumbá (MS), em setembro. Embora não tenham participado diretamente, prestadores de serviços, fornecedores e consultores que atuam para eles estiveram presentes. Além disso, estão previstos para os próximos anos eventos para o Mato Grosso e Mato Grosso do Sul em um plano de ação específico para o Pantanal.

A jornalista Ana Maio, da Embrapa Pantanal, conduziu os trabalhos do World Café. Em cada mesa havia um secretário ajudando a anotar os diálogos. Também fazem parte do projeto as pesquisadoras Balbina Soriano, que vai atuar no sistema de alerta de incêndios no Pantanal, e Sandra Santos, que vai propor o sistema de orientação para a substituição de pastagens nativas por cultivadas. O relações públicas Thiago Coppola, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Pantanal, o pesquisador José Aníbal Comastri Filho, a bibliotecária Viviane Solano, a jornalista Nicola Dichoff, supervisora do NCO (Núcleo de Comunicação Organizacional), a assistente Rosilene Gutierrez, os analistas Kenndel Batista Zuanazzi (supervisor do Setor de Transferência de Tecnologia), Dayanna Schiavi Batista e Karla Rocha Guedes completam o time da Unidade no projeto.

Inovação em pastagens

Essa reunião com stakeholders do projeto Pecuária do Futuro aconteceu antes do Encontro de Inovação em Pastagens, que começou ainda pela manhã, no Espaço Volentieri, em São Carlos.
Promovido pela Embrapa Pecuária Sudeste, o encontro levantou obstáculos que impedem ou dificultam a inovação em pastagens e, consequentemente, o avanço da pecuária brasileira. Cerca de cem representantes de diversos segmentos da atividade econômica participaram e propuseram oito protótipos de inovação.

Depois de detectar esses obstáculos para os temas nutrição animal, risco na agropecuária, fertilidade do solo, sistemas de produção, fazendas inteligentes e forrageiras, o público foi convidado a sugerir soluções por meio da metodologia Design Thinking, que estimula a proposição de ideias inovadoras. Cada mesa entregou um protótipo do que entende ser uma solução para encarar o problema apontado. Todo o material está sendo processado pela Embrapa Pecuária Sudeste e em breve será divulgado.

Na abertura do Encontro de Inovação em Pastagens, pela manhã, a líder do projeto Pecuária do Futuro, pesquisadora Patrícia Menezes Santos, lembrou que o momento era de “viajar pelo mundo das ideias” e “sonhar com a pecuária do futuro”.  Carlos Padovani, da Embrapa Pantanal, participou de uma das mesas e disse que, de fato, os convidados se sentiram livres para sonhar com a pecuária do futuro. “Mas a metodologia foi bem interessante porque, ao mesmo tempo em que permitia sonhar, esse sonho tinha que ser viável e realizável, pois o grupo teve que desenhar um protótipo de como a solução seria aplicada”, comentou.

Entre uma dinâmica e outra, o público acompanhou seis palestras. Veja abaixo um resumo de cada uma delas:

O futuro já começou para as plantas forrageiras?
O pesquisador Francisco Dübbern de Souza, da Embrapa Pecuária Sudeste, lembrou que ao longo do tempo as forrageiras foram incorporadas a diversos outros usos além da produção de leite e carne: ornamentação, palhada para plantio direto, cobertura de margens de rodovia, embalagens, artesanato e outros. Ele apresentou desafios como a necessidade de aumentar o número de cultivares de pastagens adaptadas às diferentes condições ambientais e de manejo; a marcante estacionalidade da produção de forragens; a baixa qualidade nutricional das plantas forrageiras tropicais; o predomínio de pastagens formadas com espécies exóticas; os impactos potenciais das mudanças climáticas, entre outros. Em seguida falou sobre avanços que a pesquisa pode proporcionar em um futuro que está chegando. Alguns deles: sementes com sensores ambientais genéticos indicativos do momento ideal para a germinação; cultivares de gramíneas com propriedade medicinais; associações mutualísticas entre plantas e microorganismos para aumento da digestibilidade das gramíneas; aumento da eficiência na absorção e/ou na utilização de água pelas plantas. Para a construção do futuro da pecuária, Francisco indicou como determinantes os bancos de germoplasma e o uso de espécies nativas em pastagens cultivadas. “Por que não?”, concluiu.

Gestão de riscos na pecuária
O ex-ministro da Agricultura (2007-2008) Luis Carlos Guedes Pinto decidiu improvisar uma palestra no evento ao perceber que precisava passar alguns recados aos participantes. De acordo com ele, o maior risco para o pecuarista é o frigorífico e o maior risco para o frigorífico é o pecuarista. Essa relação “de muita desconfiança, conflituosa e até selvagem” precisa ser resolvida. A solução, segundo ele, é estabelecer um padrão de contrato que assegure segurança mínima e previsibilidade para as partes. Guedes também vê necessidade de um processo de formatação de preços para a agricultura e formulação de políticas adequadas. Lamentou que o país ainda não tenha superado problemas sérios, como a febre aftosa e a brucelose, doenças que já desapareceram de outras partes do mundo. Também sugeriu a implementação efetiva de um programa de rastreabilidade no Brasil. O ex-ministro disse ainda que o país gera tecnologias para o setor, mas elas não chegam ao produtor e indicou que o crédito é um forte indutor para a implantação dessas tecnologias. “Só o uso de tecnologia reduz o risco”, afirmou.

Sustentabilidade
Luis Fernando Guedes Pinto, da Imaflora, apresentou o conceito clássico de sustentabilidade, mesmo admitindo que se trata de uma definição difícil. “Os atores criam definições de acordo com seus interesses. Sustentabilidade é um processo, a gente nunca chega lá”, explicou. Segundo ele, ainda é um conceito muito filosófico, que evolui com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Luis Fernando afirmou que é preciso entender os interesses dos outros, aceitando ou não. A certificação é a forma de materializar a sustentabilidade, mas os selos de certificação só terão valor se houver acordo entre os segmentos envolvidos. O palestrante apontou também que os processos de certificação geralmente são excludentes e atingem os grandes produtores. A Imaflora apresentou um modelo de certificação coletiva, que conseguiu incluir pequenos e médios no processo. Outra informação interessante apresentada por ele é que a maior vantagem econômica da certificação está dentro da fazenda, e não fora, como se imaginava.

Tendências econômicas e o futuro da pecuária
O palestrante Alexandre Mendonça de Barros, da MB Agro, começou apresentando um estudo de 150 anos de dados e preços de produtos agrícolas e constatou que, entre todos os alimentos pesquisados no período, apenas a carne vermelha subiu de preço. “Tivemos um grande salto de produtividade na agricultura, mas a pecuária ainda tem problemas sérios, como fêmeas que produzem um bezerro por ano, as variações nos preços dos grãos, e outros”, afirmou. O tripé que explicava o sucesso das atividades agropecuárias no século passado (mecanização, genética e nutrição de plantas) já não responde à realidade atual, já que surgiu algo novo: as tecnologias da informação. Alexandre apresentou dados mundiais de produção e exportação de carne, situando o Brasil nesse contexto. E deixou dúvidas: “O Brasil tem 220 milhões de cabeças e o abate caiu 6 milhões. Como um rebanho cresce e o abate cai com a alta na produtividade que temos observado?” Segundo ele, os recentes escândalos de corrupção vão obrigar o país a reabrir mercados. “Mas há demanda para crescer, e possivelmente rápida”, apontou, ao lembrar que a crise derrubou o consumo interno de carne de 36 quilos/habitante para 26 quilos/habitante em quatro anos. Outra questão relevante colocada por ele foi sobre a cria. “Para onde vai? Vai ser no Pantanal? Em áreas marginais? A intensificação em cria é um problema. Um grande enigma, ainda sem resposta.”

A nanotecnologia e os novos fertilizantes
Cauê Ribeiro de Oliveira, da Embrapa Instrumentação (São Carlos-SP), começou informando os dez anos de atuação da Rede Agronano, que tem permitido avanços significativos da pesquisa nessa área. Ele apresentou conceitos ligados ao aumento da eficiência de um insumo: liberação comum, liberação lenta e liberação controlada. “Hoje é possível obter vários tempos de liberação com uma única aplicação dos fertilizantes”, explicou. De acordo com o pesquisador, é possível aumentar a eficiência diminuindo ou controlando a solubilidade de uma partícula muito solúvel (por meio de sistemas de liberação lenta ou controlada e de filmes finos de proteção) ou aumentando a solubilidade de uma partícula insolúvel (nanopartículas de óxidos, sais e outros). Ele apresentou informações técnicas sobre nanocompósitos fertilizantes e sobre estruturas reticuladas (hidrogéis).

As transformações no sistema de informação à sociedade e as estratégias em comunicação
Jorge Duarte, jornalista da Secretaria de Comunicação da Embrapa (Brasília-DF), mostrou a importância da comunicação estratégica nas organizações na primeira parte de sua palestra. Utilizando conceitos contemporâneos da comunicação, explicou que comunicar é diferente de informar e que a comunicação só se concretiza na recepção. “O receptor é o dono da comunicação. Ele a define”, disse. Pontuou também que a comunicação é meio, e não um fim – e tem um começo, mas não tem fim, “é um processo contínuo”. Como recomendações aos representantes de organizações presentes, Duarte sugeriu que se busquem soluções, e não ferramentas. “Profissionalizem!”. Em um segundo momento, o comunicador apresentou um levantamento feito com oito jornalistas que atuam no agro e se manifestaram a respeito da imagem da pecuária. O público pode acompanhar, por meio de frases desses jornalistas, como eles percebem que a sociedade enxerga a atividade, os erros e os desafios para o setor.

O Encontro Inovação em Pastagens teve como patrocinadores a Unipasto, Bellman/ Trouw Nutrition, Elanco, Agroceres, Case IH e Sempa Sementes.

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