Projeto Guateka busca parceiros para ações de segurança alimentar e educação em saúde na Reserva Indígena de Dourados

Em 2022 já foram realizados três encontros para ouvir as demandas da comunidade – Divulgação/UFGD

O Projeto Guateka, realizado por professores e estudantes dos cursos de Nutrição, Psicologia, Medicina e Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), está executando o planejamento e buscando parceiros para as ações que foram priorizadas pelo grupo de mulheres indígenas Arandu Kunha, para serem desenvolvidas em 2022.

Os povos Kaiowá, Guarani e Terena sofrem, historicamente no Brasil e, sobretudo, no Mato Grosso do Sul (MS) constantes violências e violações dos direitos humanos, tais como: o direito humano à alimentação adequada, direito à terra, à saúde, à água potável, ao saneamento básico, dentre outros direitos básicos. Diante dessa situação, o Projeto Guateka, baseado na tríade ensino, pesquisa e extensão, tem por intuito estreitar os laços entre a comunidade acadêmica da UFGD e a comunidade indígena da Aldeia Jaguapiru, por meio do grupo de mulheres Arandu Kunha, de modo a compreender minimamente as necessidades em saúde desses povos para troca de vivências e conhecimentos.

Em parceria com o grupo Arandu Kunha, neste ano já foram realizados três encontros para ouvir as demandas da comunidade e propor ações com base no que a universidade pode oferecer. Após dialogarem sobre propostas e contrapropostas, ficou pactuada a realização de encontros quinzenais baseados em três grandes ações: 1) elaboração de oficinas culinárias com receitas para melhor aproveitamento de alimentos pouco utilizados das cestas básicas e de alimentos mais frequentes nas aldeias; 2) experimentação nos quintais de plantio de sementes crioulas (milho branco), mandioca, temperos naturais (para reduzir o uso de temperos prontos ricos em sódio) e de plantas com alto valor nutritivo; 3) educação em saúde sobre violência doméstica, obstétrica e direitos das parturientes, com realização de rodas de conversas com discussão deste tema por meio de filmes, e produção de materiais impressos, como cartilha sobre esses direitos e um dicionário de bolso com palavras e expressões em Guarani/Português para facilitar a comunicação entre equipes de saúde e usuários indígenas no HU.

Para o início dessas ações, o projeto Guateka está buscando parcerias com outras faculdades e projetos da UFGD ou com a comunidade externa, principalmente para a aquisição de sementes, mudas e adubos para os plantios. Os interessados em colaborar podem entrar em contato com a equipe de professores formada pela coordenadora do projeto, Verônica Gronau Luz (Nutrição), Catia Paranhos Martins e Bruno Passos Pizzi (ambos da Psicologia) e Juliana Grasiéli Bueno Mota (Geografia). Também atuam no projeto, além dos docentes,15 discentes dos cursos de Medicina, Nutrição e Psicologia.

As oficinas culinárias apresentarão alternativas para o preparo de pratos utilizando itens da cesta básica pouco consumidos, evitando desperdício de fubá e farinha de mandioca, por exemplo, e terão como foco também o plantio de sementes, frutas, raízes e vegetais que já existem nas aldeias e precisam ser trabalhados em receitas que aumentem sua vida útil, para serem consumidos fora de temporada, entre eles o urucum, a banana, o mamão, a mandioca e a abobrinha verde.

Diante do confinamento em que a população indígena vive há 105 anos na Reserva Indígena que envolve as cidades de Dourados e Itaporã, com aproximadamente 15 mil pessoas em 3.474 hectares, o espaço para plantio é muito pequeno. Portanto, os quintais e alguns locais identificados como mais propícios serão alvo de experimentação para cultivo de sementes crioulas (milho branco), mandioca, maracujá e de plantas ricas em nutrientes, tentando incluir ora-pro-nobis e peixinho na alimentação, e buscando reduzir os temperos industrializados para melhor controle da hipertensão arterial, comum nesta população, através de hortas com temperos naturais.

Sobre o terceiro grande tema – violência doméstica, obstétrica e direitos da parturiente – os debates com o grupo de mulheres indígenas Arandu Kunha contarão com exibição de vídeos informativos e relato de casos ocorridos entre as mulheres do grupo, na aldeia Jaguapiru. Sobre a violência doméstica, as mulheres estão bem articuladas com o Ministério Público Federal para a realização das denúncias. Já sobre a violência obstétrica no Hospital Universitário, onde ocorrem cerca de 95% dos partos das mulheres indígenas da região, as iniciativas do projeto envolverão conscientização sobre os direitos durante o parto (direito à acompanhante, direito à escolha da posição do parto, direito ao tipo de parto, direito ou não a alguma intervenção obstétrica, etc.), a elaboração de uma cartilha sobre isso e também a produção de um dicionário de bolso para facilitar a comunicação entre usuários indígenas e profissionais não indígenas, com intuito de começar a diminuir as distâncias que geram medo e desconfiança.

“Apesar do hospital ter melhorado muito a humanização do parto e a valorização do parto normal, as mulheres indígenas ainda sofrem violência por parte de alguns profissionais, sobretudo a violência obstétrica. O projeto quer melhorar isso. Infelizmente, o Núcleo de Saúde Indígena do HU está inativo desde 2019 e atualmente não é possível acompanhar as 13 metas da Portaria de Incentivo à Atenção Especializada aos Povos Indígenas. A primeira meta trata da contratação de tradutor indígena no hospital para viabilizar o diálogo, problema histórico do HU e nunca resolvido até hoje. Não saber Guarani dificulta muito a atuação da equipe de assistência em saúde e prejudica o relacionamento e humanização do atendimento. O nosso piloto de dicionário de bolso de língua Guarani será feito com o auxílio das mulheres indígenas do grupo para ser testado pelos estudantes de Medicina e residentes sobre seu impacto e viabilidade, podendo aprimorar o material a longo prazo”, explica a coordenadora do projeto.

Ano passado
O projeto teve sua primeira edição em 2021, mas por conta da pandemia de covid-19 e das dificuldades de ir a campo decorrentes dos riscos de contágio, as visitas às aldeias foram evitadas e os esforços foram direcionados para a formação dos alunos dos cursos da Faculdade de Ciências da Saúde (FCS) e Faculdade de Ciências Humanas (FCH), com a criação do Grupo de Estudos em Saúde dos Povos Indígenas (GESPI), formado por acadêmicos indígenas, não indígenas e membros da comunidade externa. O grupo fez encontros mensais sobre temáticas específicas, buscou aprender com o grupo de mulheres indígenas Arandu Kunha e promover a troca de saberes entre a universidade e a comunidade. O GESPI colaborou para a discussão e compreensão de vários assuntos sobre saúde indígena que, diferentemente do curso de Nutrição, que possui uma disciplina obrigatória que trata do tema, são uma lacuna no curso de Medicina, que nunca ministrou a disciplina eletiva de Saúde Indígena.

Além de fortalecer os estudos, também foram realizadas ações pontuais e emergenciais de doação de roupas, agasalhos, alimentos e mandiocas produzidas na UFGD, sempre com a visita de poucos membros do projeto com o uso de máscara de proteção e ao ar livre. Por fim, no segundo semestre de 2021, foi construida uma cartilha sobre prevenção de covid-19 e a importância da vacinação, elaborada em Português e em Guarani. O conteúdo da cartilha contou com a participação fundamental das mulheres do grupo Arandu Kunha. As cartilhas foram impressas com recursos aprovados para o projeto de extensão pela Pró-reitoria de Extensão e Cultura da UFGD e entregues em todas as escolas indígenas, no CRAS e em duas unidades básicas de saúde no final de 2021.

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