âComecei a estudar este ano, mesmo com pandemia e estou muito feliz por ter passado no vestibular. Eu já fiz dois semestres de pedagogia, mas por conta da dificuldade, da distância, dos filhos pequenos, tive que parar. Junto com uma amiga fizemos um curso preparatório e fomos aprovadosâ, o relato de Vera mostra a realidade das dificuldade de uma mulher quilombola e mostra como o campo virou uma oportunidade. âNão é o curso que sonhei desde pequena, mas é voltado para a escola do campoâ.
Vera fala isso justamente porque o Quilombo tem como sua atividade econômica principal a agricultura familiar. âMinha comunidade tem professores que não são da comunidade, são de Jaraguari e de Campo Grande, então temos que formar professores da nossa comunidade, temos que ter nosso povo dando aula, das pessoas que sabem as nossas vivências dificuldades e culturas, que a gente consiga a escola na comunidade local e vice-versa. Essa é minha escolhaâ.
A preocupação de Vera e a importância da agricultura familiar para a comunidade local são reafirmadas pelo presidente da Associação, Nilson Abadio Martins. âO nosso maior desafio, em termos de produção, é conseguir vender e valorizar nossos alimentos. Como a nossa propriedade é de herança, recebida de geração a geração, precisamos regularizaçãoâ, afirma o representante da comunidade que cita, ainda o apoio da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural) para a questão burocrática e administrativa local.
âAtualmente negociamos, com auxÃlio da Agraer, na Ceasa, em Campo Grande. Produzimos hortaliças, farinha, rapadura, melado, açúcar mascavo, maxixe, jilóâ¦â, reforça Martins que considera ainda as dificuldades para os negros em Mato Grosso do Sul. âHoje a maior dificuldade negra em nosso Estado ainda é acessar universidade, ocupar uma cadeira onde deveria estar no colégio, dando aula, no lugar de alto escalão, a comunidade negra ainda é pouco vista, enfrenta dificuldades devido à baixa escolaridade, pouco estudo, fica difÃcil acessar o ensino superior e cargos importantes, delimitando as pessoas a lutar mais e buscar seus objetivos. A dificuldade ainda é grandeâ.
O técnico da Agraer, MarcÃlio Caceres, ressalta que a instituição pública visa fazer a ponte e fornecer assistência técnica para ampliar a rede de vendas da comunidade. âDamos o suporte à produção de hortifrutigranjeiros. A parte comercialização, de levar a associação à Ceasa, em um espaço especÃfico, rapadura, melado, farinha, o que eles levarem, eles comercializamâ.
Segundo o presidente Nilton, as comemorações na Comunidade Quilombola pelo Dia da Consciência Negra foram interrompidas devido à pandemia.
Já para a subsecretária de PolÃticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial do Estado de Mato Grosso do Sul, Ana José Alves, ainda há um longo para se percorrer quando o assunto é igualdade racial, porém, polÃticas públicas podem diminuir essa lacuna. âO governo afirma e reafirma seu compromisso com as polÃticas da promoção da igualdade racial foi aprovado o projeto ms quilombola que consiste na realização do diagnóstico socioeconômico cultural ambiental das 22 comunidades quilombolas, que ficam localizadas em 15 municÃpios. O dia 20 é um dia de celebração da cultura, das culturas relativas a nossa população. Somos 54% da população e em MS somos aproximados 50% de pretos e pardosâ.
Não é mimimi. Diga não ao preconceito estrutural
Entre os problemas econômicos e a luta pelo crescimento, o que mais pesa, segundo a avaliação da Vera ainda é o preconceito estrutural, ou seja, aquele que não é dito ou expressado diretamente e sim por atitudes.
âEu já sofri preconceito e sofro até hoje. Uma vez me disseram que uma pessoa estava procurando alguém com urgência para trabalhar em buffet e eu me ofereci, após ver minha foto pelo whatsapp a pessoa mudou de ideia rapidamente, depois descobri que era por causa da minha cor. Quantas vezes entro numa loja e ficam me seguindo, quantas vezes entrei num restaurante e não vieram me atender?â, reforça Vera: ânão é mimimi. Falam que o Brasil é um paÃs que não tem racismo, nem preconceito, mas não é verdade. A escravidão foi cruel, acabou com o nosso povo e ainda temos que ouvir: aonde se viu dar cotasâ, ressalta Vera.
O Brasil foi o último paÃs do continente americano a abolir a escravidão, em 1888, no dia 13 de maio e com poucas garantias aos, então, libertos. O Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro, tem como finalidade além de homenagear, resgatar as raÃzes do povo afro-brasileiro e é comemorado no Brasil no dia 20 de novembro. Esta data foi restabelecida pelo projeto lei número 10.639, no dia 9 de janeiro de 2003, porque coincide com o dia 20 de novembro de 1695, dia da morte de Zumbi dos Palmares, grande lÃder da resistência negra e da luta pela liberdade, autor da célebre frase: âNascer negro é consequência, ser negro é consciênciaâ.