
Desde o último sábado (28), um incêndio de grandes proporções consome uma área de difícil acesso na região da Serra do Amolar, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. As chamas avançam no topo de um morro com mais de 900 metros de altitude, acessível apenas após oito horas de navegação pelo rio Paraguai. Para reforçar o combate, um helicóptero do Ibama, deslocado do Parque do Xingu (MT), deve começar a operar nesta terça-feira (30), em apoio às brigadas da SOS Pantanal, Corpo de Bombeiros e Instituto do Homem Pantaneiro (IHP).
O fogo foi identificado por volta do meio-dia de sábado pelo sistema Pantera e, segundo o IHP, teria sido provocado por um raio. As chamas se espalham entre a RPPN Acurizal e a fronteira com a Bolívia, em uma zona crítica da planície pantaneira. “Estamos mobilizados com todas as instituições para esse combate, que é importante. Vamos tentar debelar esse fogo logo no início para evitar que ele se agrave”, disse o coronel Ângelo Rabelo, presidente do IHP.
As ações de contenção envolvem 14 brigadistas da Brigada Alto Pantanal, além de reforços do Prevfogo/Ibama e da SOS Pantanal. Um avião air tractor do Corpo de Bombeiros foi mobilizado para lançamentos de água a partir da Fazenda Santa Tereza. No momento do alarme, as condições climáticas já indicavam alto risco de fogo: 94% de chance de ignição, com 36°C de temperatura, umidade de apenas 29% e ventos a 9 km/h.
A Serra do Amolar, reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Natural da Humanidade, abriga uma das maiores biodiversidades do Brasil. Com cerca de 80 km de extensão e morros que alcançam quase 1.000 metros, a área funciona como corredor natural da onça-pintada e é ponto de encontro de três biomas: Pantanal, Mata Atlântica e Amazônia. As chamas ameaçam diretamente 3.500 espécies de plantas, 325 de peixes, 98 de répteis, 656 de aves e 159 de mamíferos.
Segundo o biólogo Wener Hugo Moreno, do IHP, a Serra do Amolar cumpre papel central na regulação hídrica da região. “A Serra funciona como um funil que controla o fluxo das águas norte-sul, inundando baías e lagoas da região acima. É o chamado ‘gargalo do Paraguai’”, explicou. Essa dinâmica é essencial para o equilíbrio dos ciclos de cheia e seca do Pantanal, fundamentais à manutenção dos ecossistemas locais.
O incêndio deste fim de semana é o primeiro registro do ano na Serra do Amolar, aumentando a preocupação de ambientalistas. Setembro costuma ser o mês mais crítico para o fogo no bioma, por conta da estiagem e do calor intenso. “É bem preocupante porque é a primeira vez que temos registro de incêndios lá na Serra do Amolar, que tem uma rica biodiversidade”, alertou novamente o coronel Rabelo.
Apesar da ação conjunta de diversos órgãos, os desafios logísticos são imensos. A chegada do helicóptero, por exemplo, dependeu de liberação da Coordenação de Operações Aéreas do Ibama e do envio de um caminhão com combustível — um retrato da precariedade estrutural em emergências ambientais no país, agravada pela falta crônica de financiamento e de brigadas fixas em áreas remotas.
Desde 2020, o Pantanal vive um agravamento recorrente dos incêndios florestais, que já afetaram 32% do bioma ao menos uma vez nas últimas quatro décadas, segundo dados do MapBiomas. A falta de políticas públicas robustas de prevenção, fiscalização e gestão ambiental transforma tragédias como essa em um ciclo previsível. “As mudanças climáticas apenas potencializam um processo que já está em curso devido à degradação, ao desmatamento e à falta de governança ambiental”, alerta a ecóloga Mercedes Bustamante, da UnB. Enquanto isso, o Pantanal segue ardendo — e com ele, arde também a urgência de agir.