Durante o período constituinte (1985-1988), do qual resultou a Constituição Federal de 1988, defendemos uma proposta para a educação brasileira.
Participamos desse grande forum nacional, dentre outras contribuições, com a publicação do livro Constituinte e Educação (Editora Vozes). Nesse livro, propusemos como normas estruturais para a educação brasileira:
a) que a educação vise ao pleno desenvolvimento da pessoa, em suas dimensões física, psicológica, moral, social e espiritual, desenvolvimento este que se expressa na crescente compreensão da realidade, no exercício da liberdade responsável, na convivência solidária, na prática de relações democráticas, no serviço à sociedade e na abertura ao transcendente;
b) que a educação se funde no espírito de solidariedade, como semente da sociedade igualitária que se deverá perseguir, e não no espírito de competição que caracteriza e justifica a sociedade de classes;
c) que as atividades de ensino e pesquisa sejam voltadas para os interesses nacionais e a transformação da realidade, superando-se a atual função conservadora das desigualdades econômicas, sociais e culturais desempenhada pela escola;
d) que a educação zele pela preservação das tradições populares e demais valores culturais nacionais e regionais;
e) que a escola crie espaços e condições para que a vivência da classe trabalhadora seja valorizada e a memória de suas lutas, preservada, como instrumentos de superação das estruturas de injustiça e dominação;
f) que a alfabetização, a ser garantida a todo o povo brasileiro, vise possibilitar o acesso ao mundo e o poder de construí-lo com liberdade, na linha libertadora de Paulo Freire;
g) que a educação religiosa seja parte integrante do processo educativo global, respeitadas a consciência individual e a pluralidade de filosofias e de confissões religiosas dos alunos e das famílias, inclusive a irreligiosidade;
h) que se assegure a liberdade de cátedra, compreendendo: o direito de o professor expor em sala de aula suas ideias, sujeito apenas à própria consciência e ao dever de respeitar ideias que o contradigam; o direito de livre pesquisa, sujeita apenas ao controle acadêmico democrático, para obtenção de recursos de financiamento; a proibição de sofrer o professor qualquer restrição por suas ideias filosóficas, religiosas e políticas;
i) que se reconheça a livre organização dos estudantes, segundo critérios estabelecidos por eles próprios e que se estimule a auto-organização estudantil, desde a escola de 1º grau;
j) que se assegure a efetiva participação dos pais ou responsáveis na discussão e orientação da educação dos filhos menores;
k) que as escolas sejam inseridas nas comunidades a que servem e que se estabeleça a interligação do ensino com as atividades econômicas, sociais e culturais;
l) que se ofereçam condições especiais de educação para os portadores de deficiências, de modo que possam alcançar o pleno desenvolvimento de suas potencialidades e contribuir para o bem comum;
m) que a educação, além de ser declarada como direito de todos, possa ser efetivamente reclamada, individual ou coletivamente, inclusive pela via judicial, por todos aqueles que dela estejam sendo privados.
Se examinarmos o texto constitucional que foi aprovado, em cotejo com essas ideias, verificaremos que muitos dos pontos aqui mencionados foram acolhidos plenamente, outros pontos foram parcialmente recepcionados e outros foram desprezados.
Qual a utilidade de uma tal remissão histórica?
Creio que esse debruçar sobre a história recente do Brasil pode trazer ganhos, especialmente pelo fato de poder alimentar o debate hoje. Nenhuma Constituição é estática.
Pode sempre ser revista. Além disso, muitos avanços não dependem de alteração no escrito constitucional.
Atuam à margem do texto, na sua interpretação progressista por administradores e pelos tribunais e também através das lutas que se travam na concretude da vida.