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Cientistas combinam veneno de aranha e proteína de vírus para atingir mosca-branca

Foto: Alice Nagata

Uma proteína artificial com ação inseticida poderá ser uma poderosa ferramenta de controle da mosca-branca, praga que ataca culturas como as de soja, algodão, feijão e tomate. Ferramentas da biotecnologia têm permitido que cientistas da Embrapa Hortaliças (DF)  desenvolvam uma proteína formulada a partir da associação de outras duas: uma tóxica e outra pertencente a um begomovírus, microrganismo transmitido pela própria mosca-branca.

A proteína artificial é obtida por meio da fusão da proteína da capa proteica (CP) do vírus – responsável por formar um envoltório que reveste o material genético desse microrganismo – com uma molécula tóxica isolada do veneno de aranhas. Essa molécula possui efeito letal e específico para insetos desde que atinja a hemolinfa (líquido que circula nos vasos dos animais invertebrados análogo ao sangue em animais vertebrados) e alcance o sistema nervoso central do inseto, causando paralisia. Em linhas gerais, a hipótese é de que quando o inseto ingere a proteína de fusão, a CP transporte a molécula tóxica do sistema digestório para o sistema circulatório, e de lá para o sistema nervoso, local em que ocorre o bloqueio de neurotransmissores que causam espasmos no inseto-praga até causar sua morte.

A ingestão apenas da molécula tóxica pela mosca-branca não surte efeito porque, uma vez no trato digestivo, ela é excretada pelo inseto antes de atingir a hemolinfa. É exatamente nesse ponto que entra a CP do vírus para atuar como um cavalo de Troia e permitir que o veneno alcance seu destino. No organismo do inseto, o vírus tem um ciclo circulatório e isso permite que ele transite do aparelho digestório para a hemolinfa. Logo, a proteína de fusão soma o efeito da molécula tóxica do veneno de aranha ao mecanismo de circulação do vírus dentro do inseto e, assim, promove uma pane no funcionamento do organismo da mosca-branca.

Para o biólogo Erich Nakasu, analista de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Hortaliças (DF), o desafio maior da pesquisa não é sintetizar a proteína de fusão, mas garantir que a proteína tóxica seja produzida em conjunto com a capa proteica viral, e que se mantenha protegida dentro do corpo do inseto contra seus mecanismos naturais de defesa para, então, chegar ao sítio de ação em condição de expressar o efeito tóxico, provocando a morte do inseto.

“Há duas possibilidades delineadas para conseguir o efeito tóxico: desenvolver uma planta que expresse a proteína de fusão, sendo a fonte do produto tóxico, ou alimentar o inseto com uma dieta artificial”, enumera, ao destacar que o próximo passo será testar esse método de controle da praga em casas de vegetação sob condições controladas.

Ação específica para mosca-branca
Como a proteína de fusão é formulada com base na proteína da capa do begomovírus, microrganismo transmitido exclusivamente pela mosca-branca, assume-se a especificidade da ação tóxica somente para este inseto-praga. Dessa forma, a proteína de fusão surte efeito prejudicial somente para a mosca-branca e não compromete um inseto não alvo, preservando joaninhas, por exemplo, que são inimigos naturais da praga, e abelhas, importantes polinizadoras.

Na natureza, os animais que se alimentam de pragas geralmente produzem e injetam toxinas em suas presas. “A toxina específica que está sendo avaliada no projeto, extraída do veneno da aranha, tem ação específica e ocasiona danos somente em insetos. Em vertebrados, em geral, incluindo humanos, essa toxina não causa nenhuma consequência nociva ou efeito deletério”, explica o biólogo que também destaca que os experimentos seguem as normas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio) e que o laboratório possui certificação de qualidade.

Há uma tendência no meio científico de testar o uso de proteínas de fusão no controle de pragas, contudo, a aplicação desta metodologia em mosca-branca é inédita e, se os resultados forem positivos, pode ocorrer um grande avanço no manejo integrado desta praga que, atualmente, baseia-se principalmente no controle químico, o que pode ser prejudicial para a sustentabilidade da produção agrícola.

A perspectiva de sucesso da pesquisa deve-se principalmente à expertise da equipe de cientistas. Nakasu, em sua tese de doutorado, realizada na Newcastle University e na Durham University, no Reino Unido, trabalhou na avaliação de uma proteína de fusão originada a partir da combinação do veneno de determinada espécie de aranha com uma substância encontrada em flores da família Amaryllidaceae, mas na ocasião o alvo do controle eram pulgões. Ele também analisou o efeito dessa proteína de fusão na capacidade de memória e aprendizado de insetos benéficos e não alvos, como abelhas, concluindo que não há quaisquer complicações para esses insetos.

A mosca-branca
A mosca-branca é uma praga que não faz distinção de alimento e, devido ao alto grau de polifagia, mantê-la sob controle é uma tarefa que tem mobilizado esforços de diversas cadeias produtivas que se preocupam com o impacto negativo na produtividade. Grandes culturas como soja e algodão hospedam a praga e sentem os danos ocasionados pela sucção da seiva, contudo, eles são secundários diante dos prejuízos da ferrugem e do bicudo, principais pragas dessas culturas, respectivamente.

No caso do tomate, além de agir como um inseto sugador que compromete o desenvolvimento da planta e injeta toxinas capazes de estragar os frutos, a mosca-branca também transmite viroses que afetam a produtividade das lavouras e geram perdas de até 50%. Algumas regiões produtoras adotaram o vazio sanitário, que prevê um período sem plantas vivas de tomate no campo, para tentar controlar o nível populacional da mosca-branca. Contudo, para garantir o sucesso no controle dessa praga, mais do que contar com políticas públicas implantadas por órgãos de defesa vegetal, é preciso propor aos agricultores um manejo racional a fim de manter a sustentabilidade de todo o sistema e, nesta parte, entra a pesquisa científica.

A mosca-branca é um inseto sugador de seiva e transmissor de vírus. Além de prejudicar o desenvolvimento normal da planta, o que naturalmente reduz a produção, no processo de alimentação, a mosca-branca injeta toxinas que, no caso do tomateiro, ocasionam o amadurecimento desuniforme e a isoporização dos frutos. Quanto aos vírus, a praga pode transmitir para o tomate o begomovírus, o crinivírus ou, ainda, ambos, o que é chamado de mistura viral. Esta possibilidade preocupa a pesquisa, que já se questiona se a combinação pode interferir no manejo de outros vírus do tomateiro, como o tospovírus, transmitidos pelos tripes. Com mecanismos que favorecem a adaptação em condições extremas, a mosca-branca apresenta alta taxa de fecundidade, além de ter como característica a partenogênese, ou seja, a fêmea é capaz de produzir clones que vão manter possíveis genes de resistência a produtos químicos, o que facilita o estabelecimento da população.

Origem da mosca-branca
Acredita-se que a mosca-branca originou-se no Oriente Médio e, dali, expandiu-se para regiões da África e da Europa até cruzar o oceano e chegar às Américas no início da década de 1990. A explosão populacional da praga foi praticamente simultânea nos Estados Unidos e no Brasil e, no nosso país, encontrou condições muito favoráveis ao desenvolvimento. Os vírus transmitidos pelo inseto para o tomate, por exemplo, são oriundos da flora brasileira. “A mosca-branca facilitou a transferência de vírus nativos que antes eram restritos às plantas daninhas. Antes não havia um inseto-vetor que fosse eficiente em adquirir o vírus da planta daninha e transmiti-lo para o tomate”, explica o pesquisador Miguel Michereff Filho, da área de Entomologia da Embrapa Hortaliças.

Polo de produção inviabilizado pela mosca-branca
Devido ao manejo inadequado, em meados da década de 1990, a tomaticultura no polo agrícola de Petrolina (PE) foi muito prejudicada pela mosca-branca e, com isso, a indústria processadora teve que migrar a produção para o Centro-Oeste. Atualmente, Goiás é o maior produtor de tomate do País, com mais de 30% da produção nacional do fruto, e, para evitar que a praga comprometa a sustentabilidade do sistema produtivo na região, assim como aconteceu no Nordeste, o órgão de defesa agropecuária estadual aprovou uma instrução normativa que prevê a implantação do vazio sanitário para o tomate entre os meses de novembro e janeiro. “Esse período do ano é problemático porque existem outros cultivos que são hospedeiros da mosca-branca, por exemplo, a soja. Por isso, quanto mais o produtor de tomate atrasar o plantio para não coincidir com a colheita da soja, que é quando a mosca-branca se desloca em busca de outras culturas, menores serão as chances de haver uma alta população de insetos no início do estabelecimento da lavoura de tomate, quando as plantas são mais vulneráveis”, analisa o pesquisador que recomenda os meses de fevereiro e março para início do plantio do tomate.

A fim de garantir a efetividade do vazio sanitário, os órgãos de defesa supervisionam os viveiros de produção de mudas, que devem apresentar relatórios com informações sobre os compradores, volume comercializado e época da venda. Outro aspecto da fiscalização é a amostragem de polos de produção para checar se, na entressafra, há cultivo de tomate no campo ou tigueras, ou seja, restos vegetais que não são colhidos e ficam no campo até brotar novamente. Essas plantas preocupam porque elas podem servir como fonte de vírus e prejudicar a quebra no ciclo da doença, que é o principal objetivo do vazio sanitário. De acordo com Michereff, a pesquisa identificou que a taxa de transmissão de vírus entre plantas de tomate é muito mais alta do que de plantas daninhas para tomate, daí a importância de eliminar qualquer planta verde do campo.

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